Os sistemas de água em todo o mundo estão pressionados. A cada ano, as tubulações seguem envelhecendo, enquanto a população cresce e mais construções surgem. Nos EUA, trilhões de litros de água potável são perdidos por vazamentos e quebras, e a conta do reparo potencial atinge assustadores US$ 625 bilhões nos próximos 20 anos, apenas para consertar redes de água avariadas.
As alterações climáticas só vão agravar o problema, pois o acesso à água limpa já se tornou um problema global urgente. Neste ano, as torneiras secaram em Joanesburgo, e a Cidade do México está perdendo até 40% de água em virtude de redes e conexões de serviço decrépitas.
Mas há esperança no horizonte: em resposta a problemas ambientais graves, empresas de projeto e fabricação em todo o mundo estão priorizando a sustentabilidade. Segundo o relatório State of Design & Make (inglês) de 2024 da Autodesk, 97% das empresas em todos os setores estão adotando medidas para aprimorar a sustentabilidade. Elas estão recorrendo à tecnologia para cumprir metas ambientais e criando oportunidades para desenvolver soluções inovadoras e gerar novos negócios.
A startup francesa ACWA Robotics é uma dessas empresas. Ela aborda os desafios críticos enfrentados pela indústria da água desenvolvendo soluções robóticas que percorrem sistemas de tubulação para coletar dados visando a uma gestão mais eficiente da água.
O robô subaquático autônomo da ACWA aguarda carregamento em um ambiente de teste que simula condições internas de uma tubulação do sistema de água. Imagem gentilmente cedida pela ACWA Robotics.
"ACWA significa Autonomous Clean Water Appliance", informa Jean-François Guiderdoni, Diretor Administrativo da ACWA Robotics. "Em todo o mundo, 40 milhões de quilômetros de tubulações levam água limpa para prédios, casas e empresas. Perdemos em média entre 20% e 40% da água transportada por essa estrutura de distribuição. Esse volume imenso está relacionado com o estado das tubulações."
Para melhorar o cenário, as concessionárias de água precisam renovar, reparar e substituir mais tubulações para que percam menos água. Mas, diz Guiderdoni, "como toda essa infraestrutura foi instalada há muito tempo e é subterrânea, as empresas não sabem exatamente onde e quando ela deve ser renovada".
Para fornecer aos operadores do sistema de água as informações necessárias, a ACWA Robotics foi pioneira no desenvolvimento de um robô modular articulado capaz de percorrer quilômetros de tubulações de forma autônoma sem interromper o fornecimento de água. Ele se curva e gira à medida que sensores variados capturam dados para identificar áreas desgastadas, locais onde há vazamento e, em termos mais gerais, possíveis pontos problemáticos, para ajudar as concessionárias a adotar medidas eficazes.
O robô submerso percorre uma tubulação de água, capturando dados sobre sua condição e possíveis pontos problemáticos. Imagem gentilmente cedida pela ACWA Robotics.
O objetivo dos robôs de tubulação inteligentes da empresa é coletar um conjunto completo de dados sobre as condições da rede de água. "Lidamos com as tubulações maiores, que chamamos de alimentadoras ou principais", diz Guiderdoni. "São as tubulações estratégicas que, quando se rompem, podem afetar toda uma cidade ou um bairro e gerar imensos prejuízos financeiros, paralisando toda a atividade da cidade."
Os robôs capturam métricas como diâmetro do tubo, espessura residual da tubulação em vários locais e áreas onde há acúmulo de corrosão, aproveitando imagens de alta definição e todo um conjunto de tecnologias de NDT (non-destructive testing, testes não destrutivos). Além das avaliações de condições de execução, os robôs da ACWA também podem coletar leituras de temperatura, pH, velocidade do fluxo e turbidez da água em pontos que os sensores fixos não conseguem alcançar, ajudando assim a melhorar a qualidade e o emprego da água.
O trajeto do robô na tubulação é previamente definido. Os pontos são georreferenciados por longitude, latitude e posição acima do nível do mar, e a empresa afirma ser possível ajustar uma localização com margem de erro de 40 cm. Concluída a missão, o robô volta ao ponto de entrada ou dirige-se a uma área de saída predefinida.
Uma renderização do robô articulado mostra como ele se curva para percorrer uma tubulação de água. Imagem gentilmente cedida pela ACWA Robotics.
Desde o início, o desafio da ACWA foi projetar uma unidade compacta e flexível o suficiente para percorrer tubulações dos sistemas de água, pequena o bastante para permitir o fluxo ininterrupto da água e grande a ponto de transportar os sistemas integrados necessários à coleta de dados.
A empresa usou o Autodesk Fusion para concretizar seu robô, com corpo principal construído em alumínio e montado a partir de 250 peças. Suas únicas peças pré-construídas são motores, rolamentos esféricos, vedações de eixo, porcas, parafusos e baterias. O restante é todo projetado especificamente para o robô.
O grupo de projeto do robô divide-se em duas equipes, uma para o projeto mecânico e outra para a parte eletrônica. O Fusion ajudou ambas a colaborar perfeitamente e criar plantas 2D e 3D, imagens renderizadas em 3D e placas de circuito personalizadas, placas eletrônicas e peças mecânicas. As equipes usam o Fusion Simulation Extension (inglês) para conduzir e coletar análises precisas de simulações térmicas e de tensão.
A ACWA Robotics testou seu robô autônomo em simulações de condições adversas que elevam a pressão da água até 250 PSI e aceleram o fluxo até 1,5 m/s. Imagem gentilmente cedida pela ACWA Robotics.
Os dados coletados por esses robôs de tubulação não são usados apenas para identificar vazamentos: eles estabelecem uma avaliação estrutural da tubulação. "Podemos informar aos clientes onde há muita corrosão, juntas defeituosas ou rachaduras em tubulações de concreto", diz Guiderdoni, acrescentando que essas informações permitem "intervir antes que ocorra um vazamento".
As informações de avaliação estrutural podem fornecer "um conjunto de pistas que ajudarão as concessionárias a decidir onde devem fazer um reparo, onde nenhuma ação é necessária ou onde devem renovar uma tubulação ainda neste ano ou, talvez, em dois, três, quatro ou cinco", diz ele. "O objetivo final é oferecer à concessionária uma visão muito clara sobre a condição da tubulação e como seu dinheiro deve ser gasto."
Em fases futuras do desenvolvimento, os robôs da ACWA adotarão recursos de IA (inteligência artificial) para aprimorar a coleta de dados. "A IA permitirá que os robôs se adaptem dinamicamente durante suas missões", afirma ele. "Por exemplo, um robô poderia fotografar o interior de uma tubulação ou detectar uma fissura. Se ela tivesse determinada forma e um certo comprimento, o robô poderia parar e verificar mais detidamente. Essa é apenas uma forma pela qual a IA pode ajudar proativamente na manutenção de tubulações e, ao mesmo tempo, coletar dados mais precisos.”
Trabalhadores implementam um piloto de protótipo de robô com a Aqua Publica, concessionária de serviços de água em Bastia, cidade sede da ACWA, na ilha de Córsega. Imagem gentilmente cedida pela ACWA Robotics.
Acompanhando a evolução da tecnologia na ACWA Robotics, o recrutamento de talentos qualificados é uma preocupação contínua da empresa e também de muitas outras nos setores de projeto e fabricação (inglês). "Encontrar e reter talentos, especialmente engenheiros, é um desafio", afirma Guiderdoni. "É fundamental que encontremos a pessoa certa."
No entanto, a missão principal da ACWA, ou seja, abordagem de questões críticas de sustentabilidade, coloca a empresa em vantagem no contato com novos funcionários. Segundo o State of Design & Make, 72% dos líderes de empresas (inglês) consideram sustentabilidade um dos principais fatores na retenção de talentos.
Guiderdoni observa que os funcionários jovens são motivados não só pela remuneração e pelo trabalho desafiador, mas também pela sensação de exercer impacto positivo sobre o mundo. "Temos uma nova geração que quer trabalhar com sustentabilidade e causar impacto", afirma ele. "As pessoas que se juntam a nós podem ser desafiadas tecnologicamente por seu trabalho e, ao mesmo tempo, ver o impacto da sua ação. Elas sabem que não são meras peças da máquina."
Os gestores de sistemas de água estão hoje sob pressão crescente para enfrentar os desafios do desperdício, da falta de conscientização e até mesmo da indolência que faz com que as decisões sobre investimento em infraestrutura sejam deixadas para o futuro.
"No setor de água, as mudanças são lentas", diz Guiderdoni. "Estamos trazendo novas tecnologias para um ambiente bastante conservador, mas atualmente há uma tendência de inovação e mudança. No passado, as concessionárias de água talvez raciocinassem em termos de: 'Alguma perda de água é inerente. Se houver problemas, elevamos o preço.’ O que elas estão percebendo agora é que o preço atingiu o limite, o serviço ficou muito mais caro e é preciso começar a raciocinar em termos de desempenho."
- Jean-François Guiderdoni, Diretor Geral, ACWA Robotics
A pressão para atuação mais consciente sob o ponto de vista ambiental também está aumentando. Segundo o relatório State of Design & Make, quatro em cada cinco empresas são motivadas para a adoção de medidas de sustentabilidade (inglês) por demandas das partes interessadas em todos os segmentos. "As fontes de pressão para sermos mais sustentáveis são muitas: mídia, corporações, novas regulamentações e incentivos da Comissão Europeia e de governos", afirma Guiderdoni. "Governos e empresas estão percebendo o grande potencial econômico da sustentabilidade. "Na verdade, trata-se de criar valor e gerar um ciclo virtuoso."
À medida que as concessionárias de água tentam lidar com o aumento da demanda intensificado pelas mudanças climáticas, é fundamental maximizar o valor dos recursos existentes. Este é um princípio fundamental da sustentabilidade. Guiderdoni observa que as recentes inovações no setor trouxeram uma onda de novas tecnologias para a localização inteligente e precisa de vazamentos em tubulações de água. "O que vai orientar a próxima fase é a gestão de ativos. Isso significa agir antes que as tubulações se rompam", diz. "As pessoas estão se conscientizando de que a água, e especificamente sua infraestrutura de distribuição, reclama tratamento rápido. A ideia de causar impacto e mostrar que seremos capazes de ajudar as concessionárias a fazer mudanças nos próximos anos me entusiasma."
Mark de Wolf é um jornalista freelancer e redator premiado, especializado em histórias de tecnologia. Nasceu em Toronto. Iniciou carreira em Londres. Trabalha em Zurique. Contato: markdewolf.com.
