Como serão os projetos de arquitetura pós-covid-19? Flexíveis e resilientes
Oito meses após o início da pandemia de covid-19, está claro que desenvolver a flexibilidade e a resiliência ao vírus será um elemento fundamental dos projetos de arquitetura daqui para frente.
Uma série de relatórios (detalhando ambientes projetados para escolas, escritórios, lojas, residências para idosos e cuidados de saúde) do American Institute of Architects (AIA) oferecem um exame minucioso de curto prazo de como esses estabelecimentos poderiam – e deveriam – ser. “Os edifícios terão de ser tão resilientes quanto pedimos que o nosso pessoal seja”, informa Sim Nabors, diretor geral e diretor de design de interiores da empresa internacional de design RATIO. “Eles terão que viver em um espectro onde possam se transformar e se ajustar para ficarem muito mais seguros quando for necessário.”
A maioria das medidas recomendadas pelo AIA são táticas e programáticas, com foco em alterações sutis de espaço e diferentes maneiras de usar os edifícios. Com base na orientação do CDC (Centre for Disease Control) e contribuições de arquitetos, funcionários da área de saúde pública e gerentes de instalações, as medidas são um alerta para o fato de que a arquitetura é tanto sobre como os espaços são usados quanto sobre o que é construído.
Escolas: igualdade em primeiro lugar
O relatório do AIA reconhece que as instalações de ensino fundamental e médio fazem muito mais do que apenas oferecer espaço para aprendizagem. São também locais vitais para cuidados de saúde física e mental, serviço de alimentação e muito mais, principalmente nos bairros mais destituídos do país. E colocar as escolas em funcionamento com segurança tem consequências para a saúde que vão muito além da covid-19. “Temos que pensar em todo o quadro em termos de promoção da saúde das crianças”, afirma Erika Eitland, analista de pesquisa da potente empresa de arquitetura da educação Perkins & Will.
Erika Eitland, que tem doutorado em saúde pública pela Universidade de Harvard, diz que a covid-19 força um confronto com a crise de igualdade que já define a educação nos Estados Unidos. O relatório recomenda estratégias de distanciamento social para os alunos, mas isso será difícil para muitas escolas em distritos que estão superlotados. Manter o ar saudável nos edifícios é uma prioridade, mas 40% (PDF, p. 8) dos distritos escolares precisam atualizar ou substituir os sistemas HVAC (aquecimento, ventilação e ar condicionado) em pelo menos metade das suas escolas. O relatório também sugere a criação de áreas de isolamento para consultórios de enfermagem, mas em 2018 apenas 40% das escolas tinha uma enfermeira em tempo integral ou parcial. A covid-19 expôs o fato de que muitas escolas já estão passando por uma “crise de saúde pública preexistente”, afirma Erika Eitland.
Este pode ser o momento de fazer mudanças significativas. “Temos a oportunidade de refazer algo que aborda todas as desigualdades que sabemos existir – e temos a capacidade de converter e revolucionar nossos ambientes de ensino de maneiras inusitadas”, diz Michelle Amt, da VMDO Architects em Charlottesville, Virginia, que ajudou a montar o relatório das escolas.
Grande parte da orientação escolar varia de acordo com a faixa etária. Para as crianças mais novas, desenvolvendo habilidades de linguagem ou com deficiência auditiva, Erika Eitland recomenda melhoramentos auditivos (como microfones para os professores) para vozes abafadas por máscaras. Os refeitórios são locais problemáticos devido à aglomeração e às transações frequentes; o guia recomenda convertê-los em salas de aula ou áreas de preparação para a entrega de alimentos aos alunos.
Para fortalecer a integridade das “cápsulas” (grupos do tamanho de uma turma que são independentes e isolados dos outros alunos), Erika Eitland também sugere sistemas de sala de aula modulares, separados do prédio principal da escola, como o Sprout Space da Perkins & Will. (Erika Eitland, que foi a principal autora do relatório Escolas para Saúde da Universidade de Harvard, também foi uma das principais contribuintes para o recurso covid-19 dedicado da Perkins & Will para administradores de escolas K-12 [escola desde o jardim de infância até o final do segundo grau] enquanto se preparam para o retorno.)
Essas são medidas principalmente defensivas para reduzir o risco, mas também existem maneiras de sermos mais proativos. “Analisamos como estimular a saúde e a resiliência dos ocupantes”, informa Michelle Amt. “E sabemos que as estratégias biofílicas fazem isso. Existe ampla evidência de que o design biofílico – priorizando a exposição à natureza – reduz o estresse, aumenta a imunidade e melhora a saúde física e mental. Todos esses são fatores críticos para determinar como nossos corpos lutam contra a covid-19, que também tem menor probabilidade de ser transmitida ao ar livre.”
Os guias do AIA promovem a programação e o espaço educacional ao ar livre, uma tática intuitivamente compreendida há muito tempo. Erika Eitland aponta para a Escola Crow Island em Winnetka, Illinois, que é tipicamente considerada a primeira escola elementar modernista. Concluída em 1940 e projetada pelo cofundador da Perkins & Will, Lawrence Perkins, junto com Eliel e Eero Saarinen, suas salas de aula têm pátios dedicados com jardins. “Construímos esse espaço há oitenta anos e agora estamos no meio de uma pandemia e podemos desfrutar de todo aquele pensamento avançado”, diz ela.
Escritórios: e as cadeiras beanbag?
As estratégias do AIA para escritórios mais seguros são semelhantes à orientação escolar em termos de protocolos de distanciamento social e padrões de circulação, sem o professor na frente da sala de aula. Sim Nabors diz que no futuro próximo, os funcionários devem usar o “escritório como uma ferramenta para coisas que não conseguem fazer bem em casa”.
A funcionalidade central de muitos escritórios não diminuiu com a quarentena, mas os espaços destinados à colaboração social e pessoal se tornarão discrepantes, com sua utilidade em declínio. “Começamos a questionar por que deveríamos ter escritórios no futuro”, diz Sim Nabors. “Como já comprovamos, podemos fazer muitas coisas eletronicamente.”
Ainda há fortes argumentos a favor dos aspectos sociáveis associados às cadeiras beanbag, como desenvolver a confiança e coesão entre os membros da equipe – criar uma alternativa será uma tarefa para os projetistas. Imagine um reduto híbrido com a mobília de sala necessária ao lado de monitores de videoconferência, conectando pessoas que não estão no escritório.
“O fator mais importante das zonas sociais e colaborativas será que elas terão formatos eletrônicos para as equipes manterem a conexão com as pessoas que não estão fisicamente presentes”, afirma Sim Nabors. Vários projetos da RATIO incluem espaços sociais e colaborativos ao ar livre, um ambiente melhor para a era da pandemia.
A tendência a mesas de trabalho flexíveis, também chamadas de “mesas compartilhadas“, significa que os funcionários que não têm mesas individuais fixas trabalham em qualquer lugar disponível. Essa prática pode expor os funcionários a superfícies potencialmente contaminadas, mas também oferece mais flexibilidade para um quadro de pessoal socialmente distanciado. “Provavelmente é mais inteligente esforçar-se mais no tratamento das coisas de um ponto de vista mecânico, certificando-se de que a empresa tem os sistemas HVAC corretos implementados, em vez de enfatizar demais a esterilização de cada superfície”, comenta Sim Nabors.
A implementação de medidas de segurança para a covid-19 pode entrar em conflito com as metas de sustentabilidade. Por exemplo, os escritórios poderiam aumentar o uso de seus sistemas HVAC para renovar o ar continuamente por meio de rajadas de ar fresco externo, mas isso teria um custo energético grande. “Estamos falando muito sobre como aumentar as trocas de ar, mas sem perder alguns dos avanços que fizemos na limitação do consumo de energia”, afirma Josh Millman, da NuTec Design Associates em York, Pensilvânia, que contribuiu para o relatório do AIA.
Mudar a forma como as pessoas usam os escritórios exigirá projetos de acordo com novas normas sociais: a criação de espaços que evitem o contato face a face e a eliminação de cantos cegos ou áreas onde possam se formar filas (como em frente a uma máquina de café na sala de descanso). Sim Nabors acrescenta que, para alcançar esse distanciamento, deve haver uma maneira de dizermos respeitosamente aos colegas de trabalho: “Você está no meu espaço” ou “Não me sinto confortável com o que está acontecendo”.
Varejo: uma olhada nos bastidores
A orientação do AIA sobre ambientes de varejo delineia zonas de primeiro e segundo plano, separando os clientes na área de vendas dos trabalhadores em almoxarifados. Shane Aaron da Selser Schaefer Architects, que ajudou a montar o relatório sobre o varejo, diz que as prateleiras modulares e móveis e os sistemas de exposição podem permitir que “categorias inteiras de produtos sejam estocadas e estejam prontas num espaço nos bastidores e sejam facilmente movimentadas para reabastecer a loja”.
Os varejistas provavelmente procurarão maneiras de limitar a quantidade de mercadorias na loja que possa ser manuseada pelos clientes. As lojas que recebem pedidos online se tornarão uma “espécie de centros de entrega de pedidos”, informa Shane Aaron. “Menos clientes vão realmente entrar nas lojas para pegar os produtos na prateleira. Em vez disso, vão passar de carro num espaço coberto para pegar os pedidos que fizeram online. Ou para itens mais sofisticados, como artigos eletrônicos, onde a pessoa realmente quer saber o que está comprando, a loja se tornará uma sala de exposição.”
Isso significa que os espaços de vendas provavelmente encolherão, forçando os varejistas a mudar a proposta de valor de seus investimentos imobiliários. “Os varejistas pensam muito no valor por metro quadrado de vendas”, comenta Shane Aaron. “Eles tentam extrair o máximo possível de receita por metro quadrado. Mas o que é mais provável acontecer no futuro é que veremos uma grande mudança, na qual uma parcela muito maior desse espaço será alocada aos bastidores, onde poderemos implementar muitas funções modulares.”
Mudanças que não exigem alterações radicais na forma ou montes de novas tecnologias podem ter resultados significativos – que transcendem as soluções pandêmicas provisórias. Muitas dessas medidas de contenção do contágio atuam em prol da melhoria permanente da saúde do ocupante, limitando a propagação de qualquer doença transmitida pelo ar. “Se isso não fizer nada além de reduzir as taxas de infecção da gripe que ocorre todos os outonos, acho que já é um passo na direção certa”, comenta Sim Nabors.