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Bambu gigante é o futuro da construção industrializada favorável ao clima?

Para solucionar as crises convergentes da mudança climática e do aumento acelerado da necessidade global de habitação, uma gramínea resistente e de rápido crescimento está ganhando popularidade como material de construção: o bambu gigante. Em geral, o bambu não é valorizado como material de construção estrutural por seu formato tubular. No entanto, como há sempre construções no mundo inteiro, a sustentabilidade dos materiais está se tornando uma grande preocupação.

“Estima-se que seja construída uma área equivalente a uma nova cidade de Nova York a cada 30 dias nos próximos 40 anos, e o mundo construído é responsável hoje por 40% da pegada de carbono global”, afirma Hal Hinkle, CEO da BamCore. “Como construir tanto e, ao mesmo tempo, reduzir a pegada de carbono do planeta?”

A BamCore é uma empresa de tecnologia de construção civil que desenvolveu uma solução de parede oca pré-fabricada com composto de bambu gigante. A empresa transforma o bambu em painéis híbridos de bambu e madeira, que são utilizados na fabricação de seções de parede para a construção de residências, habitações multifamiliares e prédios comerciais. As tiras de bambu são dispostas lado a lado formando placas rígidas, que são reforçadas com compensado. Assim, a BamCore preserva a integridade dos fios superfortes da fibra de bambu (“uma das fibras de celulose mais fortes da natureza”, afirma Hinkle), à semelhança dos filamentos de fibra de carbono envolvidos em resina endurecida.

timber bamboo growing in nature
O bambu chega a crescer 90 cm por dia. Cortesia da BamCore.

No entanto, ao contrário da fibra de carbono, o bambu é um recurso renovável e um eficiente sumidouro de carbono, sequestrando de cinco a 10 vezes mais dióxido de carbono do que a madeira. Segundo Hinkle, “na mudança climática, o tempo é tudo”. O bambu é uma gramínea que cresce rápido nos oito primeiros meses, com algumas espécies chegando a crescer até 90 cm por dia. Após cerca de três anos, o bambu já está totalmente maduro e atingiu o máximo de sua força mecânica. Uma das principais características do bambu é a possibilidade de ser colhido todo ano, sem destruição da planta, para ser então armazenado em produtos de longa vida útil, como os edifícios, transformando-os em sumidouros de carbono a longo prazo.

Hinkle afirma que, para evitar a aceleração dos mecanismos de retroalimentação das mudanças climáticas, é preciso substituir tanto quanto possível os métodos convencionais de construção por soluções de baixa emissão de carbono e fazer isso o quanto antes. “Por melhor que seja, a madeira está perdendo no jogo do tempo”, comenta. “Somente o bambu pode vencer esse jogo.” A BamCore está ampliando sua capacidade de produção para ganhar a corrida contra o tempo pelo clima. A nova fábrica já está fornecendo painéis BamCore para um condomínio residencial de 78 mil metros quadrados.

Modelagem de lâminas mais fortes

O mercado-alvo do sistema de paredes da BamCore são as construções baixas com armação em balão. As unidades de parede têm, inicialmente, o comprimento padrão dos caules de bambu, que são cortados pelos fornecedores no campo em tiras finas, conhecidas como lâminas. Essas lâminas são enviadas à nova fábrica da BamCore em Ocala, na Flórida, EUA, onde são transformadas em retângulos perfeitos, que podem ser combinados com madeira para formar os painéis processados e o sistema de paredes.

Para cada seção de parede, o BamCore Prime Wall System utiliza dois painéis, que são fixados à base por métodos tradicionais. Em seguida, os painéis são encaixados uns nos outros por conexões shiplap. O processo não requer maquinaria pesada, e o resultado é uma cavidade praticamente oca, que dispensa a maioria dos montantes, vergas e pilares. “Isso produz um efeito semelhante ao de uma garrafa térmica em toda a envolvente do edifício”, explica Myles McGinley, diretor de estratégia e finanças da BamCore. “Além de usar materiais favoráveis ao clima, nossa solução de armação também oferece uma envolvente de edifício que cumpre as normas consumindo menos material e menos mão de obra do que a armação convencional.”

timber bamboo fabricating bamcore wall panels
Fabricação de painéis BamCore. Cortesia da BamCore.

“Toda a superfície da parede é basicamente um montante que pode ser perfurado. Por isso, não é mais necessário localizar montantes para instalar revestimentos, molduras de acabamento e armários”, comenta Zack Zimmerman, diretor de vendas e marketing da BamCore.

Segundo Hinkle, a nova fábrica da Flórida representa um “momento decisivo de ver para crer” do bambu processado – para os empreiteiros, armadores e outros profissionais que vão usar o novo sistema nas construções e também para os executivos de compras, que precisam se assegurar de que o fornecimento dos componentes será confiável. “Há uma grande diferença entre receber uma amostra e visitar uma fábrica com produto em estoque”, observa.

Muita criatividade foi necessária para colocar essa fábrica em funcionamento com um componente de construção que praticamente não havia sido testado. Desde o início, a BamCore procurou ativos subvalorizados que pudessem ser trazidos para a produção, da mesma forma como identificou o potencial do bambu. A primeira questão que surgiu foi “como reduzir a despesa de capital necessária?”, comenta Hinkle. “Para isso, elaboramos um plano maior e o dividimos em etapas menores de implementação.”

Mais enxuto do que uma serraria

A BamCore precisou tomar decisões difíceis para esticar ao máximo seu limitado orçamento. Em 2019, a empresa adquiriu uma fábrica desativada da Georgia-Pacific (incluindo a maquinaria antiga, mas ainda em condições de uso) “por uma bagatela”, revela McGinley, pagando bem menos do que os US$ 15 a 25 milhões que custaria uma fábrica nova de madeira processada. Quem vendeu a fábrica para a empresa foi Tom Scott, que se tornou investidor da BamCore. Scott é um veterano do setor de madeira processada e tem olho clínico para identificar máquinas de processamento de madeira usadas e de baixo custo que possam ser trazidas de outras partes dos Estados Unidos e do Canadá para serem recondicionadas internamente. A empresa de Scott, a Lewis & Clark Industrial, ajudou a montar unidades no mundo todo.

Antes do fim de 2021, a fábrica poderá produzir 100 mil painéis por ano. McGinley estima que a produção de uma fábrica ampliada, operando a plena capacidade, possa chegar a até 1 milhão de painéis por ano. O primeiro grande projeto da empresa é um condomínio de residências urbanas multifamiliares da Concord Homes em Salt Lake City, nos Estados Unidos, para o qual a BamCore está fornecendo 50 mil painéis para 340 residências. “Estamos caminhando em direção ao grande plano com esforços próprios”, comenta Hinkle.

A BamCore é uma startup que participa do programa de investimento de impacto da Autodesk Foundation, que apoia a visão da empresa de levar materiais favoráveis ao clima para a construção civil como forma de enfrentar as mudanças climáticas. Para Hinkle, o argumento é simples: “considero o bambu uma dádiva da natureza que ainda não foi totalmente descoberta pela humanidade”. Boa parte desse processo de descobrimento consiste em desenvolver uma cadeia de suprimentos praticamente inexistente. “Não existe uma cadeia de suprimentos global diversificada para o bambu gigante”, observa Hinkle.

“Nos últimos quatro anos, tivemos que viajar por três continentes, percorrendo florestas tropicais e vilarejos à procura de fornecedores”, acrescenta McGinley.

Precursores do fortalecimento da cadeia de suprimentos, os primeiros projetos da BamCore exibiram uma variedade de opções de personalização de fachada e acabamento, que podem incluir pintura (aplicada diretamente nos painéis, dispensando a parede de gesso), argamassa, alvenaria, reboco e revestimento – ou madeira carbonizada.

Foi esse o acabamento que Jack Becker e Andrew Linn usaram no escritório e estúdio de sua empresa de arquitetura, Becker Linn Design, em Washington, DC, EUA. Eles deram o nome de “The Grass House” ao escritório que foi o primeiro projeto da BamCore na Costa Leste dos Estados Unidos. Todas as paredes estruturais, exceto uma, foram fabricadas pela BamCore. A parte externa é feita de madeira de cipreste e cedro texturizada com carbonização uniforme. No interior, a dupla pintou as paredes a fogo com um maçarico portátil para “experimentar possibilidades de realce da granulação com a chama”, comenta Becker. O resultado é exibido no revestimento de abeto de Douglas com padrão de listras tigradas, penas e formas elípticas hipnóticas.

Escritório da Becker Linn Design, conhecido como The Grass House. Cortesia de Ty Cole.
 
Todas as paredes estruturais, exceto uma, foram fabricadas pela BamCore. Cortesia de Ty Cole.
 
Interior da The Grass House, com painéis "pintados" a fogo. Cortesia de Ty Cole.

Pré-fabricação na produção

Para levar seu sistema de pré-fabricação aos canteiros de obras, a BamCore está desenvolvendo um software de projeto que consolida as revisões das empreiteiras e profissionais de construção civil em um modelo 3D interativo na nuvem. Primeiro, a BamCore recebe os arquivos CAD do arquiteto e converte cada seção planar em esquemas de painéis. Na plataforma Autodesk Forge, esse modelo 3D é compartilhado com os diversos profissionais, para que possam projetar os elementos dos sistemas mecânico, elétrico e hidráulico antes da fabricação. Os componentes saem da fábrica com os pontos de fixação dos pregos e os locais para instalação dos serviços hidráulico e elétrico impressos em cores nos painéis.

“Quando eles chegam ao canteiro de obras, você logo vê onde deve instalar cada painel e a localização exata de todos os elementos dos sistemas mecânico, elétrico e hidráulico”, explica McGinley.

Esse método apresenta vantagens logísticas e de mão de obra. Com menos elementos internos nas seções de parede e o mapeamento prévio dos sistemas mecânico, elétrico e hidráulico, tudo se encaixa com rapidez e não precisa ser revisto. Para uma área de aproximadamente 160 metros quadrados, por exemplo, a simples ausência de montantes pode representar uma economia de cinco dias de trabalho para um armador. “Basta encaixar e pregar”, observa Becker, acrescentando que o sistema se expande facilmente à medida que a equipe de armação se familiariza com o processo.

No caso de projetos habitacionais multifamiliares maiores, a eficiência dos materiais se soma à eficiência de mão de obra. Em primeiro lugar, a necessidade de corte e serragem é mínima, diminuindo bastante a produção de resíduos no canteiro de obras. Além disso, é possível reduzir ou eliminar o uso de placas de gesso e sistemas de atenuação acústica, o que proporciona uma economia adicional em materiais.

A fabricação e a aplicação de produtos híbridos de bambu se destacam em relação às versões mais conhecidas de madeira processada e madeira laminada cruzada (CLT). No entanto, a BamCore também está buscando meios de transformar o bambu em “algo que possamos usar em uma combinação híbrida com CLT”, comenta Hinkle.

As pesquisas sugerem que um sistema híbrido de bambu e CLT pode se tornar mais forte e/ou mais fino. O ponto central da questão é que “agora é o momento para as várias soluções de bambu gigante ajudarem a reduzir as emissões de carbono, os custos e a mão de obra na construção civil”, sugere Hinkle. “Vemos no bambu uma dádiva da natureza que talvez seja o material natural mais subutilizado no enfrentamento das mudanças climáticas e da necessidade mundial de construção.”