Combate à poluição na Baía de Guanabara, no Rio, com o BIM na engenharia civil
A água brasileira tem várias peculiaridades. No rio Amazonas, por exemplo, existem botos-cor-de-rosa, lontras gigantes, enguias elétricas, anacondas enormes e piranhas com dentes afiados. Mas, infelizmente, a fauna não é tudo. Microrganismos causadores de doenças florescem nos rios, bacias e baías de muitas cidades brasileiras, incluindo o Rio de Janeiro.
Por abrigar a floresta amazônica, o Brasil é o marco zero para cruzadas ambientais, incluindo campanhas para despoluição da água. Porém, no Rio de Janeiro, a mais de 3.000 quilômetros a leste da Amazônia, não são apenas organizações, estudiosos e cientistas que estão liderando os esforços de limpeza ambiental. O Exército Brasileiro está usando uma ferramenta inesperada para catalisar a ação ambiental no combate à poluição das águas do Rio de Janeiro: o BIM (Modelagem de Informação da Construção).
Um problema de tamanho olímpico
O Rio de Janeiro foi uma das primeiras cidades modernas do mundo a ter um sistema de esgoto, que começou a ser construído em 1857. Naquela época, a população da cidade era apenas uma fração dos seus mais de 6 milhões de habitantes atuais, e os engenheiros originais criaram um único sistema para transportar águas residuais e pluviais através dos mesmos tubos até os rios da cidade que desaguavam na Baía de Guanabara.
“Antigamente no Brasil, era comum construir esgotos com sistemas de drenagem”, esclareceu Halan Oliveira, engenheiro civil do Exército Brasileiro. “Era mais fácil construir e demorava menos. A população era menor, então não havia problema se o esgoto corresse junto com as águas pluviais em direção aos rios. Mas a cidade começou a crescer. A população explodiu e agora temos um grande problema.”
Esse problema está bem documentado, talvez de maneira mais excepcional, pela AP (Associated Press), que publicou uma reprimenda surpreendente sobre a qualidade da água no Rio em agosto de 2016, apenas alguns dias antes do início dos Jogos Olímpicos de Verão de 2016. Os níveis virais eram “até 1,7 milhão de vezes superiores ao que seria considerado preocupante nos Estados Unidos ou na Europa”, informou a AP após um estudo de 16 meses sobre a qualidade da água nos locais onde ocorreriam competições olímpicas e paraolímpicas do Rio. “Nessas concentrações, nadadores e atletas que ingerissem apenas três colheres de chá de água muito provavelmente seriam infectados com vírus capazes de causar doenças estomacais e respiratórias e, mais raramente, inflamação do coração e do cérebro.”
A culpa é do sistema de drenagem de águas residuais/pluviais do Rio, que não só lança 100 litros de esgoto bruto por segundo no meio ambiente, como também causa inundações generalizadas durante fortes chuvas devido à sua capacidade limitada.
Como parte de sua candidatura vencedora para sediar os Jogos Olímpicos, o Rio prometeu investir US$ 4 bilhões em tratamento de águas residuais, com o objetivo de descontaminar 80% do fluxo de águas residuais em direção à Baía de Guanabara. Apesar de não ter cumprido sua meta, o Rio continua trabalhando para atingir seus objetivos, graças em parte ao Exército Brasileiro, que, este ano, concluirá um projeto de quatro anos para modernizar o sistema de esgoto no bairro do Rio que eles chamam de lar: a Vila Militar, uma área de 1.100 acres.
Quando o velho e o novo se encontram
A rede de esgotos subterrânea da Vila Militar do Rio foi construída antes da Primeira Guerra Mundial (por volta de 1908). No início do século XXI, os principais eventos esportivos do bairro (Jogos Pan-Americanos de 2007, Jogos Mundiais Militares de 2011 e Jogos Olímpicos de Verão de 2016) motivaram a construção do Complexo Esportivo de Deodoro. E, em 2016, como parte do compromisso de limpeza olímpica do Rio, o Exército Brasileiro começou a reconstruir esse centenário sistema para separar as águas residuais das águas pluviais e direcioná-las a uma nova estação de tratamento de água, e não mais ao rio Marangá — um grande feito.
A rede de esgotos do Rio não é um sistema de encanamento simples que pode ser facilmente desemaranhado: a tarefa consiste em instalar novos dutos separados para águas residuais e águas pluviais nas mesmas valas do sistema duplo anterior e estava programada para terminar antes dos Jogos. “O Ministro do Esporte sempre teve esse objetivo”, declarou o Coronel Francis Monteiro Gusmão. “Então, eles sabiam que, se separassem as duas redes, a pluvial da de esgoto, isso beneficiaria a limpeza da área da baía.”
Essa complexidade exigiu uma abordagem de construção atualizada, e os engenheiros recorreram ao BIM para planejar e otimizar seus projetos. O primeiro desafio: como a infraestrutura existente era muito antiga, não havia plantas para ela.
Para trabalhar numa área que abriga quatro sistemas (drenagem, esgoto, energia elétrica e gás) sem mapa, explica Oliveira, “algumas vezes tivemos que ir até o local para fazer levantamentos e encontrar as estruturas antigas”. A equipe do projeto fez um levantamento manual do terreno e determinou milhares de pontos geométricos que foram plotados em um mapa usando o Autodesk Civil 3D.
“Nossas equipes locais tiveram que realizar as obras de escavação com cautela, pois, apesar de todos os nossos esforços, as estruturas elétricas e de gás poderiam ser afetadas”, afirmou Oliveira. Nesse caso, a rede de gás estava localizada 1,5 metro acima do que foi originalmente informado: “Quase a atingimos”, contou ele. A compilação de um mapa preciso desses serviços de utilidade pública ajudou a evitar esse tipo de problema, tornando as obras muito mais seguras para os trabalhadores e a população.
Com base nesse mapa, a equipe criou um modelo digital do terreno para fins de planejamento e elaboração do projeto. Munidos de dados demográficos e outras informações, os engenheiros usaram o complemento Civil 3D Storm and Sanitary Analysis para estudar os pontos de descarga e as taxas de vazão de água e garantir o funcionamento apropriado do sistema. A equipe também fez verificações de interferência para assegurar que os novos canos de esgoto e drenagem não colidissem entre si, com os canos antigos ou com as linhas proximais de gás e eletricidade.
Complexidades políticas agravaram esse processo. “O Brasil teve um governo militar por três décadas e, nessa época, a infraestrutura ainda era pequena”, explicou o Coronel Gusmão. “Depois disso, adotamos a república, com mandatos de quatro anos. Então, a cada quatro anos, tudo muda. É por isso que esse desafio existe.”
A logística também foi um fator importante, pois o trabalho teve que ser executado sem afetar as estruturas e operações militares ativas. “Não podíamos parar as tropas, elas precisavam do fornecimento de gás, água e energia elétrica”, comentou Oliveira, cuja equipe dividiu as 43 construções da Vila Militar em zonas. Enquanto a equipe trabalhava em uma zona, as operações militares continuavam ininterruptas nas demais.
Assim segue o Rio
Embora o trabalho ainda esteja em andamento, os resultados já são aparentes. Oliveira declarou que as inundações, que antes eram comuns na Vila Militar, não acontecem mais nos locais em que o trabalho já terminou. Agora, toda a água residual é transportada para a estação de tratamento de águas residuais do Rio, e não mais para hidrovias naturais.
Provavelmente, o maior legado do projeto será um estudo de caso para o resto do Rio, comprovando que essas modernizações necessárias também são acessíveis. O projeto custou cerca de 40% menos do que um projeto convencional, o que corresponde a uma economia de US$ 15 milhões. Parte dessa economia vem do uso de tubos leves de polietileno de alta densidade, que são mais caros do que os tubos de concreto comuns, porém mais baratos de instalar. A maior parte da economia, no entanto, deve-se ao uso do BIM, que aumenta a precisão e diminui consideravelmente o número de erros.
O BIM provavelmente será usado em outras obras de renovação de infraestruturas bem maiores no Brasil. “Nosso ministro de infraestrutura federal foi militar, então ele provavelmente terá muito interesse em usar o BIM em seus mandatos no futuro próximo”, prevê o Coronel Gusmão. “O governo quer aplicar o BIM em nível federal, o que acontecerá em fases até 2028, sendo a primeira já em 2021.”
Os benefícios econômicos da tecnologia tornarão esse projeto (e, por extensão, seu impacto ambiental) replicável em futuras obras semelhantes. “Se você não conseguir oferecer um resultado mais barato, não despertará o interesse do governo brasileiro”, ressalta Oliveira. “A Vila Militar é apenas um pequeno bairro. Esse projeto é uma chance para que outras autoridades vejam que é possível usar o BIM para obras grandes por toda a cidade. Se cada bairro realizar o mesmo trabalho que nós, poderemos ter um meio ambiente bem melhor no futuro.”