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Georgia Louise Harris Brown foi arquiteta pioneira em dois continentes

georgia louise harris brown

A arquiteta pioneira afro-americana Georgia Louise Harris Brown teve, durante sua longa carreira, um talento especial para encontrar os cenários arquitetônicos mais férteis do mundo. Exerceu a profissão em Chicago, quando Mies van der Rohe estava no auge e depois mudou-se para o Brasil, onde uma linguagem modernista original estava sendo criada para Brasília, a capital planejada mais ambiciosa do século XX.

Nascida em 1918 em uma família de classe média em Topeka no Kansas, Georgia Louise desde cedo mostrou interesse por mecânica e design, gostando de trabalhar com equipamentos agrícolas, desenho e pintura. Depois de se formar pela Universidade de Washburn em 1938, ela viajou para Chicago no verão e matriculou-se em um curso ministrado por Mies, cujo uso de aço e vidro com característica modernista logo permearia o globo.

Georgia Louise começou a estudar arquitetura na Universidade do Kansas no outono daquele ano. Desde o início da década de 1930, o programa do Kansas era convictamente moderno, fundamentado na produção industrial e na união da arte e tecnologia, um campo de estudo que permitiria a Georgia Louise a criação de um nicho único.

“Ela compreendia a construção de uma forma que muitos arquitetos não compreendiam, porque tinha experiência anterior em estruturas”, diz Roberta Washington, uma arquiteta afro-americana que desde os anos 1990 tem estudado e escrito sobre Georgia Louise.

860-880 Lake Shore Drive in Chicago.
Na vista aérea da Lake Shore Drive 860-880, os dois edifícios escuros em forma de L, visíveis à esquerda neste detalhe de uma vista de Chicago, foi um exemplo influente da tendência dos edifícios altos da arquitetura miesiana.

Chicago: influência cosmopolita

Georgia Louise interrompeu seus estudos para retornar a Chicago. Casou-se em 1941 e estudou com Mies no Instituto de Tecnologia de Illinois. Ela ficou encantada com a cidade cosmopolita e sua vibrante comunidade afro-americana; mais tarde ela diria que conhecer Mies e entrar para seu círculo mais próximo moldou sua visão da arquitetura e foi uma das experiências mais importantes de sua vida.

Chicago tinha sido um laboratório de testes de novos materiais e possibilidades usados em urbanismo desde o Grande Incêndio de 1871, que destruiu grande parte de seu distrito central de negócios. Depois do incêndio, os arquitetos de Chicago foram pioneiros na construção de arranha-céus e no uso de sistemas estruturais em aço, necessários para fazer tudo funcionar. Na época de Georgia Louise, uma nova geração de arquitetos aprimorou esse modelo, tornando os prédios altos em expressões puras de verticalidade em aço e vidro, mostrando vigas reforçadas e paredes divisórias ultrafinas. Foi uma transição em que a arquiteta pioneira desempenharia um papel fundamental.

Georgia Louise graduou-se em arquitetura pela Universidade do Kansas em 1944 (a primeira mulher afro-americana a fazê-lo) e voltou para Chicago. Seu primeiro trabalho naquela cidade foi com Kenneth Roderick O’Neal, um arquiteto afro-americano e engenheiro estrutural que também havia estudado com Mies. Entre seus ídolos estava Beverly Loraine Greene, a primeira arquiteta afro-americana profissionalmente licenciada no país. Georgia Louise seria a segunda.

Employees at Frank J. Kornacker Associates in Chicago.
Georgia Louise Harris Brown no trabalho na Frank J. Kornacker Associates. Cortesia da família Brown.

Em 1949, Georgia Louise trabalhava na Frank J. Kornacker Associates, cujo principal associado era o engenheiro estrutural preferido de Mies. Lá, ela trabalhou em vários projetos importantes de edifícios altos, tais como os edifícios Promontory e da Lake Shore Drive 860-880, ambos de Mies. O desenvolvimento do edifício da Lake Shore Drive foi um exemplo influente dos edifícios altos miesianos: estruturas minimalistas de vidro e aço projetando-se ao céu, sustentadas pelos cálculos estruturais de Georgia Louise.

Georgia Louise sempre manteve em paralelo outros trabalhos comissionados, projetando igrejas, casas e edifícios de escritórios em Chicago e, mais tarde, no Brasil. Era motivada a trabalhar e projetar o máximo que podia, tanto que quando se divorciou, em 1952, enviou seus filhos para viver com seus pais no Kansas.

Em 1953, Georgia Louise mudou-se para o Brasil na esperança de escapar da discriminação generalizada inerente à vida americana e seus filhos juntaram-se a ela alguns anos depois. Georgia Louise ocasionalmente reconhecia o sexismo que encontrava (um professor lhe perguntou: “Você não deveria estar estudando economia doméstica?”), mas em geral era testemunha estoica do preconceito que enfrentava. “Nunca pensei em mim mesma como uma pioneira das mulheres negras [arquitetas]”, escreveu ela à sua cunhada nos anos 1980. “Eu sempre fui simplesmente uma arquiteta. Depois de sair da escola e começar a trabalhar, nunca tive problemas profissionais.

Assédio sexual! Talvez. Não me lembro de nenhum. Se ocorreu, acho que, por estar indo num ritmo tão rápido e com minha mente tão focada em meu trabalho, não notei ou não interpretei dessa maneira.”

Todo “primeiro negro”, diz Roberta Washington, tem de trabalhar vencendo muitos obstáculos e reconhecer publicamente esses impedimentos pode transformar-se em um fardo, o que torna o trabalho impossível. “Ela não se considerava uma mulher negra na arquitetura”, diz Roberta. “Não poderia! Porque se a pessoa realmente pensa assim, tudo fica tão pesado que ela não consegue funcionar.”

O Brasil chama

De acordo com o livro African-American Architects: A Biographical Dictionary 1865–1945 (Arquitetos afro-americanos: Um dicionário biográfico de 1865 a 1945), Georgia Louise ficou fascinada com os projetos de Brasília, a nova capital do Brasil a ser esculpida a partir da natureza selvagem. Um experimento original em urbanismo modernista de tábula rasa, com o plano axial do coração federal da nação (em formato de pássaro ou avião) pontuado pelas impressionantes obras de Oscar Niemeyer, o arquiteto que definiu o modernismo brasileiro durante gerações.

No Brasil, Georgia Louise trabalhou para a empresa de arquitetura do americano Charles Bosworth, participando de projetos grandes e complexos, como a sede regional da Pfizer em Guarulhos e uma fábrica da Ford em Osasco. “Ela estava adquirindo uma experiência significativa em concepção, construção e administração de canteiros de obras industriais e pré-fabricados, experiência que muito provavelmente não poderia ter obtido nos Estados Unidos naquela época”, de acordo com Roberta Washington na biografia de Georgia Louise (de coautoria da historiadora arquitetônica Anat Falbel) para a seção Pioneering Women of American Architecture (Mulheres Pioneiras da Arquitetura Americana) do website da Beverly Willis Architecture Foundation.

An aerial view of Brasilia.
Visão aérea de Brasília, a nova capital do Brasil, cujos projetos cativaram Georgia Louise Harris Brown.

Em 1970, Georgia Louise tornou-se profissionalmente licenciada no Brasil, liderando uma série de empresas de arquitetura até 1993, quando se aposentou e voltou para os Estados Unidos.

Em 1997, Renata Washington, então presidente da National Organization of Minority Architects (Organização Nacional de Arquitetos Minoritários), começou a pesquisar sobre arquitetas afro-americanas cujas histórias não estavam sendo contadas. Deparou-se com a de Georgia Louise e iniciou uma busca de anos por mais dados e para localizar a arquiteta, caso ainda estivesse viva. A pesquisadora fez até um curso ministrado por um detetive particular sobre como encontrar pessoas.

Em 1999, Renata Washington encontrou um artigo no Washington Post com o nome de Georgia Louise na manchete, mas infelizmente era o seu obituário. Ela havia morrido em Washington, DC, depois de uma cirurgia de câncer.

Roberta Washington contatou os parentes de Georgia Louise e os entrevistou sobre seu trabalho e vida. “Eu simplesmente precisava conhecê-la, mesmo depois da morte”, diz ela.

Georgia Louise Harris Brown.
Cortesia da família Brown.

A escassez de dados sobre Georgia Louise reflete, sem dúvida, seu status de mulher afro-americana em um clube estritamente masculino fechado (e branco). Mesmo atualmente, menos de 2% dos membros do American Institute of Architects — a associação profissional americana de arquitetos — são afro-americanos e apenas 22% são mulheres.

Talvez o mistério mais fascinante sobre a vida profissional de Georgia Louise seja a dicotomia entre seu trabalho do dia a dia (muitas vezes edifícios industriais modernistas e ultrafuncionais) e o que fazia por fora, projetando casas tradicionais que às vezes apresentavam telhados do tipo mansarda. Seria ela simplesmente uma projetista orientada pelo cliente? Ou uma tradicionalista de coração, apesar de seus anos de formação com Mies?

Sobre seu trabalho residencial, Renata Washington e Anat Falbel escrevem: “Talvez enquanto ensaiava a criação da intimidade doméstica perdida pelo movimento moderno, ela também recuperava, no meio do seu exílio autoimposto, as memórias esmaecidas de uma casa centenária em Topeka, Kansas”.

Georgia Louise sempre foi “de fora”, postulam Renata Washington e Anat Falbel, como uma arquiteta afro-americana e, em seguida, como uma americana no Brasil. No entanto, ela também talhou uma carreira nos seus próprios termos, apesar das adversidades. “Ela parecia uma pessoa que eu realmente queria conhecer”, diz Renata Washington. “Se a tivesse conhecido, teria implorado para que fosse minha mentora.”