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Como enfrentar a lacuna de competências em fabricação após a covid-19?

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Segundo um relatório de 2018 da Deloitte/The Manufacturing Institute, 89% dos CEOs do setor de fabricação citaram a escassez crítica de talentos como sua principal preocupação. A estimativa do estudo é que 4,6 milhões de empregos no setor de fabricação precisariam ser preenchidos na próxima década – e 2,4 milhões de vagas podem ficar em aberto devido à falta de trabalhadores qualificados.

O setor de fabricação dos EUA sofreu um grande impacto durante a pandemia de covid-19. De acordo com o Bureau of Labor Statistics, 486 mil vagas de emprego estavam disponíveis no setor de fabricação em junho de 2019. Esse número caiu para 306 mil em maio de 2020, mas se recuperou para 336 mil (uma retomada de 10%) em junho. No Brasil, a recuperação também tem sido lenta: cerca de 11% das vagas perdidas por conta da pandemia foram recuperadas até setembro. Assim, a demanda geral está baixa, mas supondo que o impacto da pandemia na economia não seja permanente, a lacuna de competências no setor de fabricação deve continuar.

Desde o fim da Grande Recessão de 2007 a 2009, executivos do setor de fabricação têm tentado – sem muito sucesso – fazer contratações para atender à demanda que surgiu com a retomada. Para muitos, a culpa da lacuna é a escassez de habilidades nas disciplinas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática, à medida que a fabricação se tornou cada vez mais guiada pela tecnologia. Algumas das competências mais requisitadas são inteligência artificial, aprendizado de máquina, desenvolvimento de software e desenvolvimento em nuvem. No entanto, a lacuna não é totalmente digital. Também faltam competências convencionais de fabricação (usinagem, montagem, gestão da qualidade, engenharia de processos e afins). Parte do problema é demográfico.

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O Dr. A. John Hart, professor associado de engenharia mecânica e diretor do Laboratório de Fabricação e Produtividade do MIT, é um dos instrutores das disciplinas “Fabricação Aditiva para Projetos e Produção Inovadores” e “Fundamentos de Processos de Fabricação”. Cortesia de M. Scott Brauer e do MIT.

Nos EUA, há mais trabalhadores do setor de fabricação se aposentando do que entrando no mercado de trabalho para substituí-los. Ainda assim, nem todos estão convencidos de que a lacuna de competências em fabricação é real. Alguns argumentam que há muitos trabalhadores qualificados, mas a lacuna surge por conta da relutância dos fabricantes em pagar salários atraentes. Outros sugerem que os fabricantes estão agravando o problema ao aumentar constantemente os requisitos de formação e experiência para as novas contratações.

Para o Dr. A. John Hart, professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), a questão fundamental não são as expectativas descomunais para os novos funcionários do setor de fabricação, mas sim a velocidade de mudança necessária para as competências ao longo de uma carreira. “Precisamos desenvolver um mercado no qual o desejo e a capacidade de aprender novas tecnologias sejam valorizados entre os empregadores – onde os trabalhadores reconheçam quando a demanda por suas atuais competências está chegando ao fim e eles tenham a oportunidade de adquirir novas habilidades e fazer marketing pessoal com confiança”, diz ele.

Divergência de competências

Hart afirma que há uma necessidade de abordagens institucionais mais diversificadas e ofertas acessíveis, para que os trabalhadores possam compreender seu futuro profissional e se capacitar a fim de manter a competitividade em um mercado de trabalho em constante mudança e em um setor guiado pela tecnologia.

Além de seu trabalho como professor de engenharia mecânica, Hart é diretor do Laboratório de Fabricação e Produtividade e do Centro de Tecnologias de Produção Aditiva e Digital Avançada do MIT. Ele também criou um curso online para que os profissionais se mantenham atualizados com a impressão 3D industrial.

Hart tem grande familiaridade com as formas tradicionais de capacitação de talentos no setor de fabricação. “Há uma divergência entre as competências dos trabalhadores do setor de fabricação atual e as competências necessárias para operar, implementar e executar muitas das tecnologias de fabricação de ponta – robótica, automação e impressão 3D – e aproveitar as descobertas proporcionadas pela ciência de dados aplicada à fabricação”, comenta ele. “Há uma necessidade crescente de um currículo prático capaz de preencher a lacuna entre a formação profissional, um diploma de dois anos e um diploma técnico de quatro anos.”

Também são necessários novos modos de capacitação, credenciamento e aprendizagem que vão além dos diplomas tradicionais, afirma Hart. A ênfase deve ser na formação contínua, na requalificação e no aprimoramento das competências. Isso geralmente requer o apoio do governo para a criação de programas de capacitação. Esses tipos de programas de requalificação/aprimoramento de competências também requerem o apoio dos fabricantes, “valorizando as habilidades de seus trabalhadores além de suas tarefas diárias”, afirma Hart.

“Podemos fazer um ótimo curso online e tirar dúvidas, mas, sem a experiência prática, é provável que as competências não atinjam as expectativas.” – Dr. A. John Hart

Certamente, muitas das novas habilidades necessárias no setor de fabricação são competências digitais. No entanto, Hart afirma que o fato de os engenheiros serem consumidores de serviços de aprendizado de máquina não significa que também precisem ser cientistas de dados. “Eles têm que entender quais perguntas podemos fazer e quais respostas são confiáveis e importantes”, afirma ele.

A ciência de dados é uma das principais competências em muitas empresas. Em alguns casos, elas contratam cientistas de dados de outros setores e os colocam juntos com especialistas no assunto para criar ferramentas para análises no chão de fábrica, caracterização rápida de materiais e tarefas semelhantes. Hart, porém, afirma que o importante é a capacidade de colaborar com especialistas de outras disciplinas – não necessariamente de dominar todas as competências relevantes. 

Formação continuada

O curso de Hart sobre fabricação avançada, Fabricação Aditiva para Projetos e Produção Inovadores, tem duração de 12 semanas e é voltado para profissionais. “Ele ensina os fundamentos e aplicações da impressão 3D e é feito sob medida para engenheiros, gerentes, executivos e o pessoal do chão de fábrica”, comenta ele. “Há muitos profissionais em exercício – desde engenheiros que acabaram de sair da faculdade a executivos seniores – que desejam saber sobre a impressão 3D e como usá-la nas organizações. Cerca de 5 mil pessoas já fizeram o curso. Algumas recentemente assumiram novos cargos e desejam estimular a impressão 3D em suas organizações.”

Hart também leciona Fundamentos de Processos de Fabricação, um curso livre pela internet (MOOC, Massively Open Online Course). O curso é uma introdução mais geral aos processos de fabricação, uma versão online do curso de graduação sobre processos de fabricação que ele leciona no MIT. Nos últimos anos, milhares de pessoas ao redor do mundo já fizeram esse curso básico, voltado a iniciantes, e mais de 400 receberam um certificado MITx até agora.

Porém, “intrinsecamente, muitos desses temas são práticos: programação de robôs, realização de ensaios mecânicos e assim por diante”, diz ele. “Podemos fazer um ótimo curso online e tirar dúvidas, mas, sem a experiência prática, é provável que as competências não atinjam as expectativas. Como todos os alunos estão precisando estudar à distância durante a pandemia, o mundo está fazendo muitas descobertas sobre o que é eficaz ou não na aprendizagem digital. Não se trata apenas de como nos conectamos por vídeo e bate-papo. Temos que estar preparados para enviar materiais aos alunos e envolvê-los com ferramentas de software de ponta, para que possam ter uma experiência de aprendizagem poderosa sem a necessidade de estar no campus, na aula prática.”

Para enriquecer a experiência de aprendizagem online, uma técnica que Hart utiliza é pedir aos alunos que identifiquem como a fabricação influencia o ambiente ao seu redor. “Pedimos aos alunos que observem ao redor de sua casa, que encontrem um objeto fabricado por moldagem por injeção, uma peça fabricada por fundição ou uma peça com uma chapa metálica”, afirma Hart. “Se eles puderem desmontá-la, tirar fotos do conjunto e calcular as forças necessárias, o resultado poderá ser uma experiência de aprendizagem mais consciente do mundo.”

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Com a necessidade de distanciamento social em 2020, os educadores estão aprendendo até que ponto a aprendizagem à distância pode substituir a experiência prática com ferramentas modernas de fabricação.

São cursos de formação continuada. A conclusão não resulta em um diploma do MIT, mas os alunos recebem um certificado com a marca. “O nome do MIT no certificado ajuda”, diz Hart. “Tenho orgulho disso e quero fazer jus à reputação.”

Para Hart, muitos tipos de instituição tem um papel na solução do problema do aprimoramento de competências. “Espero que, no futuro, haja maior colaboração entre instituições de ensino de diferentes portes e em diferentes lugares”, afirma ele. “O sistema de faculdades comunitárias tem um grande papel a desempenhar na resolução das lacunas de competências de fabricação e no crescimento da força de trabalho do futuro.”

A visão global

A lacuna de competências no setor de fabricação não ocorre somente nos Estados Unidos, e Hart adota uma visão global. “Alguém na Alemanha, China ou Brasil pode expressar o problema de maneira diferente”, diz ele. “Na China, por exemplo, me disseram que há uma escassez de talentos para a programação de fresadoras computadorizadas de última geração que fabricam peças bastante complexas no setor aeronáutico, por exemplo – fabricando peças leves e com geometria complexa.”

É essencial ter uma visão global, segundo Hart, à medida que a fabricação aditiva leva as indústrias à fabricação digital. Ele acrescenta que a fabricação é econômica para terceirização no exterior. “Mas não são apenas mercados com baixos salários”, afirma ele. “Muitos países criaram o ecossistema, as cadeias de suprimentos, os talentos e a flexibilidade dos talentos, além das oficinas mecânicas para poder crescer com rapidez e consolidar experiência em primeira mão.”

O MIT oferece cursos intensivos de verão (bootcamps) sobre temas como impressão 3D – normalmente cursos presenciais de uma semana no campus. A universidade não pôde realizá-los em 2020, mas Hart espera recomeçar a programação no próximo verão. São cursos curtos, mas intensivos e com vantagens – principalmente para aumentar a rede de contatos.

“Como diz o lema do MIT, ‘a mente e a mão’ – combinamos a experiência prática com a teoria e análise”, afirma Hart. “Os melhores engenheiros e inovadores do setor de fabricação sabem assimilar os princípios técnicos fundamentais para solucionar problemas importantes e criar tecnologias e negócios que vão fazer o mundo avançar com sustentabilidade.”