Como a tecnologia está turbinando a segurança nos aeroportos
Os aeroportos mais parecem cidades em miniatura: as fronteiras são protegidas e, quando você entra em um aeroporto, tem acesso a todo um ecossistema de comércio e comunidade. Por algumas horas, o seu portão de embarque é a sua casa, os outros passageiros são os vizinhos, as esteiras rolantes são as calçadas, e a área de alimentação é a praça da sua cidade. Há bares para brindar novas amizades, capelas para orar, áreas de recreação para as crianças brincarem, estações de trabalho para montar um escritório móvel e até spas para desfrutar de alguns instantes de repouso.
Antes da COVID-19, essas “cidades” aeroportuárias eram metrópoles movimentadas, com uma população crescente de viajantes. Hoje, fazem lembrar as cidades-fantasmas da época da Corrida do Ouro, uma vez que também foram abandonadas por garimpeiros que não consideram mais a viagem uma mercadoria valiosa e talvez não acreditem que as medidas de segurança dos aeroportos estejam de acordo com as normas da pandemia. Um bom exemplo: o tráfego aéreo mundial dobrou de 2,25 bilhões de passageiros em 2006 para 4,5 bilhões em 2019 – mas a previsão de apenas 1,53 bilhões de passageiros em 2020 demonstra uma redução de 66% em relação ao ano anterior.
Menos passageiros significam menor receita: só os aeroportos dos Estados Unidos deverão ter uma perda de receita de US$ 23,3 bilhões, segundo a previsão do Conselho Internacional de Aeroportos – América do Norte (ACI-NA).
“Embora as receitas aeronáuticas estejam sofrendo pressão, a base de custo das operações aeroportuárias permanece praticamente inalterada, uma vez que os aeroportos não podem fechar nem deslocar seus terminais durante a pandemia”, declarou a ACI-NA em um recente comunicado à imprensa. “Além disso, 90% da receita não aeronáutica depende da presença dos passageiros… com a diminuição do fluxo de passageiros, a receita não aeronáutica, como estacionamento e comércio, também vai diminuir na mesma proporção.”
Para se recuperar dessas perdas devastadoras, os aeroportos afirmam que precisam receber, o quanto antes, auxílio e incentivo considerável dos governos. Mas isso não é suficiente. O setor também precisa convencer os viajantes apreensivos de que os aeroportos são seguros – e continuar a investir em melhorias de capital, que rendam ganhos a longo prazo apesar das perdas de curto prazo. O projeto e a tecnologia inteligentes serão essenciais para essas duas estratégias.
A proteção dos projetos
Apesar da crise do setor de viagens, aeroportos do mundo todo levaram adiante projetos de construção na esperança de se manterem competitivos quando as multidões voltarem a voar. Em setembro, por exemplo, o aeroporto internacional de Salt Lake City, em Utah, nos Estados Unidos, inaugurou a primeira fase de seu projeto de reconstrução de US$ 4,1 bilhões. Em junho e julho, o aeroporto LaGuardia de Nova York concluiu a construção de uma nova área de embarque e desembarque e de um novo saguão como parte da transformação de US$ 8 bilhões do Terminal B. Ao mesmo tempo, as obras continuam nos projetos de ampliação do aeroporto internacional O’Hare, em Chicago, nos EUA, do aeroporto internacional de Hong Kong, em Hong Kong, do aeroporto de Frankfurt, na Alemanha, e também no novo aeroporto Western Sydney, na Austrália.
“Se você já esteve em um aeroporto em obras, sabe que é um grande desafio de logística executar o projeto sem interromper o fluxo de passageiros”, comenta Mark Hughes, gerente sênior de programa de gestão de informações empresariais (EIM) da linha de negócios de aviação internacional do ZW Group. “E a regra número 1 das obras em aeroportos é: não interromper o fluxo de passageiros.”
“O custo de fazer o trabalho com a presença dos passageiros é quase o dobro em virtude dos requisitos de logística e de cronograma. Por isso, muitos aeroportos viram no baixo fluxo de passageiros uma oportunidade”, acrescenta. “Como podem executar os projetos agora (com mais rapidez e economia, e sem interromper o fluxo de passageiros), concluíram que deveriam fazer isso.”
Com os aeroportos em uma situação financeira tão delicada, qualquer ação equivocada pode neutralizar os ganhos obtidos durante o baixo fluxo de passageiros. Os gerentes de projeto precisam trabalhar com mais eficiência e segurança para evitar contratempos onerosos. Por isso, é fundamental o uso de software de gestão de construção, segundo Hughes, cujas equipes usaram o Autodesk BIM 360 para criar listas de conferência da COVID-19 para projetos de aeroportos em Denver, Dallas e Seattle, nos Estados Unidos. De acordo com as orientações governamentais, essas equipes fizeram uma avaliação médica diária dos trabalhadores de campo, cujo estado de saúde é registrado, acompanhado e relatado em meio eletrônico com o uso de Apple iPads.
Essa prática protege os trabalhadores e os resultados da empresa. “Conseguimos manter os projetos em andamento porque evitamos a paralisação”, explica Hughes. “Os gerentes de projeto estão monitorando os trabalhadores todos os dias. Assim, conseguem isolar imediatamente uma pessoa apenas, em vez de colocar equipes inteiras em quarentena.”
Para amenizar o impacto das quarentenas, as equipes de projeto se reúnem diariamente para compartilhar os dados de alocação de pessoal, que são agregados no BIM 360. Quando há falta de pessoal em um projeto ou área, eles a preenchem com recursos de outro. E todos os projetos e áreas exigem que os trabalhadores usem equipamento de proteção individual (EPI) e mantenham o distanciamento social.
“Na nossa equipe, temos vários funcionários com diversos níveis de experiência. Eles não estão restritos a apenas uma área. Por isso, podemos remanejá-los entre as áreas com facilidade”, explica Hughes. “Nosso fluxo de trabalho é coerente em todas as nossas atividades, o que nos permite gerir os recursos entre os projetos sem necessidade de novo treinamento. Isso nos permitiu agilizar o trabalho sem gerar um gargalo de aprendizado.”
A importância do ar
As melhorias de capital – quando feitas com agilidade, segurança e eficiência – estão capacitando os aeroportos para o crescimento pós-pandemia. A curto prazo, entretanto, os aeroportos precisam encontrar meios de gerar mais conforto para os passageiros do que poeira de obras.
“Em virtude da intensa circulação de pessoas, não há dúvida quanto ao risco de transmissão de germes nos aeroportos”, observa Dr. Philip Tierno, professor de microbiologia e patologia da Faculdade de Medicina Grossman da Universidade de Nova York. Autor de First, Wear a Face Mask: A Doctor’s Guide to Reducing Risk of Infection During the Pandemic and Beyond, Tierno afirma que os aeroportos que desejarem tranquilizar os passageiros apreensivos têm de concentrar atenção e recursos na gestão do ar em ambientes fechados: “o elemento mais importante de um aeroporto, ou de qualquer edifício de grande porte, é o sistema de tratamento de ar”.
Os Centros para Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos ressaltam a importância da ventilação adequada com ar fresco. No entanto, ar fresco talvez seja difícil de se obter nos aeroportos devido às emissões das aeronaves. Nas condições climáticas da região norte dos Estados Unidos, a entrada de ar frio no inverno impõe uma carga adicional aos sistemas de climatização, dificultando o aquecimento nos grandes aeroportos. Por isso, além da ventilação, os aeroportos precisam adotar técnicas modernas de purificação de ar, recomenda Tierno, acrescentando que as opções mais conhecidas incluem os filtros de partículas de alta eficiência (HEPA), que podem remover mais de 99% dos vírus do ar, e os filtros UV-C, que usam luz ultravioleta, também com finalidade de desinfecção.
Infelizmente, as duas técnicas apresentam desvantagens. Muitos aeroportos têm sistemas mecânicos que são incompatíveis com a filtragem HEPA. Outros podem usar filtros HEPA, mas, para isso, precisam arcar com os custos elevados da eletricidade. Além disso, os sistemas UV-C podem apresentar efeitos carcinógenos. Os filtros HEPA e UV-C também são sistemas passivos – ou seja, eles desinfetam somente as partículas de ar que são aspiradas para dentro do filtro.
Um processo mais ativo é a ionização bipolar (BPI), que emite íons neutralizadores de vírus, os quais se ligam aos agentes patogênicos presentes no ar e nas superfícies, tornando-os inativos. “Na minha opinião, a ionização bipolar tende a ser o melhor método porque… as partículas de íons se projetam e atacam os agentes contaminantes que encontram no ambiente, em vez de esperar que esses agentes sejam absorvidos por um sistema de filtragem”, comenta Tierno.
Tony Abate, vice-presidente e diretor técnico do fornecedor de sistemas de ionização bipolar AtmosAir Solutions, concorda. “É o que chamamos de desinfecção contínua”, explica. “Os outros métodos de esterilização são temporários – quando você limpa uma superfície, ela permanece desinfetada por alguns instantes até que outra pessoa a reinfecte. A ionização oferece uma desinfecção constante.”
Os aeroportos de Los Angeles, Chicago, Nova York, Mineápolis, São Francisco, Fort Lauderdale, Vancouver e Tóquio são alguns dos que já estão usando dispositivos de ionização bipolar, que têm baixo consumo de energia e são compactos o suficiente para se ajustarem a sistemas de tratamento de ar dos mais diversos tipos e tamanhos.
“A conscientização recente de que existem elementos nocivos no ar que podem causar doenças fez os aeroportos considerarem com muito mais seriedade a qualidade do ar”, observa Abate. “Com isso, estamos percebendo um aumento bastante significativo da adoção da tecnologia de ionização bipolar.”
A abordagem sistêmica
Um problema bem mais difícil de resolver nos aeroportos durante a era da COVID-19 é a movimentação das pessoas: o método adotado para o afunilamento dos passageiros desde a chegada, passando pelo check-in, pelo controle da segurança até, finalmente, o embarque. Para tornar esse processo mais seguro, a empresa de engenharia Buro Happold, que faz parte da equipe responsável por um novo complexo multiuso do aeroporto Jewel Changi de Cingapura, recomenda que os aeroportos reconsiderem esse processo pela óptica do serviço de alimentação.
“Quem já trabalhou no setor de alimentação conhece o princípio da central de esterilização (CSSD)”, comenta Patti Harburg-Petrich, diretora e líder de aviação na costa oeste dos Estados Unidos da Buro Happold. “Em toda cozinha comercial, a área de lavagem de louça tem três pias: uma pia suja, uma pia limpa, onde se usam água e sabão para lavar a louça, e uma pia de desinfecção, onde se esteriliza a louça. É possível aplicar o mesmo princípio nos aeroportos.”
Harburg-Petrich imagina que haverá três áreas para os passageiros nos aeroportos: uma área suja, com tudo o que vem de fora, como transporte público, táxis e estacionamentos; uma área limpa, onde a bagagem é desinfectada e os passageiros passam por avaliações médicas, que incluem um teste rápido de COVID-19; e uma área estéril – o terminal – que é saudável, limpa e segura. “Essa é uma metodologia comprovada que também é adotada nos hospitais e farmácias”, observa. A equipe da Buro Happold usa o Autodesk AutoCAD para adaptar e analisar o layout dos terminais, os esquemas conceituais e os diagramas. Também usam o InfraWorks para examinar as opções de layout de plano mestre.
Segundo Harburg-Petrich, os aeroportos estão avaliando as possíveis formas de criar áreas limpas onde ainda não existem. Um método conhecido é a adaptação de áreas de estacionamento. Os aeroportos podem transformar um dos andares de estacionamento em uma unidade temporária de avaliação médica ou construir uma estrutura modular sobre o estacionamento. “É preciso ter espaço intermediário”, recomenda. “Para usar o andar de um estacionamento, a equipe de engenharia vai verificar se precisa de mais paredes para separar a área ou de tipos diferenciados de sistema de climatização para garantir o volume necessário de ar puro.”
Harburg-Petrich observa que as estruturas montadas em estacionamentos são apenas um tipo de solução e que devem ser consideradas soluções “temporárias e flexíveis”, para que seja possível preservá-las e utilizá-las no futuro e em diversos níveis de alerta. “É possível usar áreas descobertas ou de fácil expansão, até mesmo calçadas e áreas para deixar passageiros”, comenta. “Um plano de mais longo prazo é necessário para a criação de espaços multiuso de fácil acesso que proporcionem uma experiência mais agradável aos passageiros, mesmo quando não houver ameaça de vírus. Uma praça, por exemplo, pode funcionar como um espaço comunitário de convívio, com lojas, restaurantes etc.”
Quando necessário, é possível converter esses espaços em locais de assistência em caso de catástrofes, “não apenas em pandemias, mas também em terremotos, como locais de abrigo e coordenação etc.”, acrescenta. “Existe, é claro, a probabilidade de que surjam outros vírus ou mutações. Por isso, é muito importante que os aeroportos assumam a responsabilidade e desenvolvam uma estratégia de longo prazo que reconheça essa realidade.”
Como as áreas limpas não são totalmente infalíveis, os aeroportos também estão reorganizando os terminais, saguões e portões de embarque e desembarque para favorecer a lavagem de mãos mais frequente e o distanciamento social. “Quando os passageiros entram no terminal, queremos que eles se dirijam diretamente para onde pretendem ir, em vez de ficarem passeando pelo aeroporto como costumavam fazer”, esclarece Harburg-Petrich. “A modelagem de simulação tem sido uma excelente ferramenta para isso. Com o auxílio da psicologia humana, podemos criar vários perfis de comportamento – família jovem, executivo em viagem de negócios, casal de idosos – e determinar como esses passageiros se comportam nos aeroportos. Em seguida, é possível alterar algumas variáveis e executar diversos cenários para criar uma solução abrangente ideal que funcione na prática.”
Muitas das soluções que os aeroportos estão analisando hoje terão benefícios duradouros depois da pandemia, afirma Steve Bennett, vice-presidente de serviços de aviação da empresa de engenharia Swanson Rink. Considere, por exemplo, o problema das filas, que representam uma preocupação temporária de saúde pública, mas também são sempre inconvenientes.
“Os aeroportos estão hoje com todo esse espaço vazio e, mesmo assim, têm filas”, observa Bennett. “Sem querer simplificar demais a situação, esse é o verdadeiro problema dos aeroportos: é preciso acabar com as filas.”
Bennett afirma que duas tecnologias podem ajudar a alcançar esse objetivo. Uma delas é a biometria sem contato, que inclui reconhecimento facial e (o que é ainda melhor, uma vez que agora os passageiros estão usando máscara) novos produtos como o dispositivo biométrico Keyo, que identifica os usuários em menos de um segundo por meio da leitura sem contato da palma da mão. A segunda tecnologia sugerida é o processamento no momento exato: os passageiros recebem alertas no celular informando exatamente o horário em que devem chegar ao aeroporto e, em seguida, ao portão de embarque, eliminando possíveis gargalos.
“Imagine chegar à entrada do aeroporto e ser identificado imediatamente pelo software de reconhecimento facial, suas credenciais serem validadas e você não precisar tocar em nada”, sugere Bennett. “Você despacha a sua bagagem em um local designado e continua andando porque a companhia aérea o reconhece. Não precisa parar para tirar peças de vestuário e outros objetos no posto de controle da segurança, porque eles o reconhecem. Quando o seu telefone avisa que chegou a sua hora de embarcar, você entra direto no avião, porque, mais uma vez, foi reconhecido. Embora esse cenário ainda seja inviável, acredito que seja possível alcançar essa meta com a adoção de uma abordagem sistêmica na aviação.”
É certo que existe demanda para essa abordagem – como também já existe a tecnologia apropriada. O que falta é disposição das partes interessadas em investir recursos financeiros e compartilhar dados. A COVID-19 talvez seja o impulso necessário para convencê-las.
“Somos uma comunidade internacional”, observa Harburg-Petrich. “Embora possamos trabalhar e nos divertir sem sair de casa, essa pandemia nos fez perceber a grande importância da interação presencial, que é essencial para nossa felicidade e sucesso. Acredito que os aeroportos reconhecem a responsabilidade que têm em contribuir para isso por meio da criação de um ambiente seguro.”